Eustáquio
28/11/2011
Dad Squarisi cursou Letras na Universidade de Brasília (UnB), fez especialização em Linguística, e Mestrado em Teoria da Literatura. Atualmente é editora de Opinião do jornal Correio Braziliense. Assina várias colunas, destacando-se a Dicas de Português.
Quinta-feira passada, dia 24, na página 26 do jornal supracitado, ela escreveu o artigo intitulado “Elos necessários”. Nesse desabafo, ela prega que as pessoas devem partir para a luta, deixando de lado o comodismo. Diz que culturalmente os indivíduos são frágeis já que sempre buscaram a solução dos problemas em outras pessoas, e não em si mesmos.
Destaco os trechos que escolhi para fazer uma rápida análise:
“(...) Durante séculos entregamos a outro o que nos cabe fazer. Em português claro: delegamos a responsabilidade ao grande pai. A história vem de longe. Os portugueses nos legaram a língua e a religião. (...) A religião deu sua mãozinha. Viramos pessoas que acreditam em milagres. Mais que em milagres, em milagreiros. Alimentamos a crença de que a solução dos problemas está fora de nós.
Um pedido, uma vela, uma prece, um despachozinho, um cruzar de dedos, tudo vale para tirar o peso das costas. Entregamos a Deus, que pode ter muitas caras e diferentes nomes. Chama-se pai, professor, chefe, padre, deputado, senador, presidente, governo, Antônio Conselheiro, Padre Cícero, Negrinho do Pastoreio, Iemanjá. Todos eles, dependendo do caso, nos aliviam a barra.”
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Com razão Dad Squarisi! Ela diz a verdade! E essa verdade pode ser comprovada facilmente pela História e Sociologia.
Dad afirma acima que:
“Os portugueses nos legaram a língua e a religião.”
Essa afirmação é linda, profunda e verdadeira! Ela mostra uma verdade científica: o homem é um ser cultural, marcado visceralmente pela cultura. Em meus artigos, sempre pontuo essa realidade.
Por que Dad diz que os portugueses legaram aos brasileiros a língua e a religião? Que língua é essa? Que religião é essa? As respostas, caro leitor, se encontram nos livros de História. Basta abrir qualquer livro de História para que o leitor tenha contato com as respostas.
O Brasil foi oficialmente “descoberto” em abril de 1500. Todo mundo sabe que essa terra hoje chamada de Brasil foi “descoberta” pelos portugueses, sobressaindo-se a figura de Pedro Álvares Cabral.
Muito bem, caro leitor! Agora entra o fator cultural. Em 1500, qual era a língua falada pelos portugueses? A resposta é: a língua portuguesa. Ora, se a língua portuguesa era a língua falada em Portugal, é normal que ela seria a língua também falada no Brasil. É o óbvio! Os portugueses aqui chegaram e impuseram sua língua. Antes da chegada dos portugueses, os índios moravam aqui e, logicamente, não sabiam o que diabo era língua portuguesa. Os índios tinham suas línguas. Após 1500, os portugueses impuseram sua língua no Brasil. Passaram a ensinar a língua portuguesa aos índios. Ou seja, agrediram as línguas de um povo, o povo indígena. Portanto, Dad está com a verdade quando afirma que os portugueses legaram a língua portuguesa ao povo brasileiro.
E a religião? A mesma coisa, caro leitor! O fenômeno que ocorreu com a língua portuguesa se manifestou também na religião. Ora, qual era a religião oficial de Portugal em 1500? A resposta está também nos livros de História. A religião oficial de Portugal, em 1500, era o cristianismo católico, ou seja, a religião cristã católica. Somente a católica! Já que os portugueses impuseram sua língua no Brasil, fizeram a mesma coisa em relação à religião. Impuseram-na também aos índios. Os índios, caro leitor, também não sabiam que diabo era a religião cristã católica. Eles não tinham a menor noção disso. Os índios tinham suas religiões, seus deuses e seus ritos. O que os portugueses fizeram? Ora, eles agrediram a cultura dos índios, impondo a religião cristã católica. A chamada catequização dos índios foi, na verdade, uma agressão malvada na cultura do povo indígena. Portanto, Dad está com a verdade quando afirma que os portugueses legaram a religião cristã ao Brasil.
É verdade, pois, que a língua portuguesa e a religião cristã chegaram ao Brasil, em 1500, trazidas pelos portugueses. Antes de 1500, nesta terra que seria chamada de Brasil, não havia língua portuguesa e cristianismo. Havia, sim, várias línguas indígenas e várias religiões com vários deuses já que os índios eram politeístas.
O que isso quer dizer? Ora, isso quer dizer que língua e religião, por exemplo, são fatores culturais. Não existe, pois, uma língua naturalmente universal. E não existe também uma religião naturalmente universal. Cada povo tem suas idiossincrasias, suas individualidades. Suas religiões, seus deuses, seus dogmas e seus ritos. Cada povo cria suas religiões, seus deuses, seus ritos e seus dogmas. A religião é uma invenção humana. E a língua também. Deixo, neste momento, a língua de lado. E vou tocar só na religião.
Os líderes religiosos enganam facilmente os fiéis dizendo que a religião cristã é a única verdadeira. Ora, caro leitor, não existe religião universalmente verdadeira. Cada povo considera verdadeira a sua religião. Isso é comprovado pela Sociologia. O homem vive em sociedades, e cada sociedade é diferente das outras. E é diferente em tudo: alimentação, vestuário, religião, esporte, educação etc. As sociedades são diferentes. No Brasil, por exemplo, a religião dominante é o cristianismo. Por razão óbvia, os brasileiros pregam que a sua religião é a verdadeira. Ora, no Irã, a religião oficial e dominante é o islamismo. Por razão também óbvia, os iranianos pregam que a sua religião é a verdadeira. Em Israel, a religião dominante é o judaísmo. Por razão também óbvia, os judeus pregam que a sua religião é a verdadeira. Na Índia, há não apenas uma religião, mas uma multiplicidade de religiões e de deuses. E cada adepto vê sua religião como a verdadeira. Percebeu, amigo leitor, como é pura idiotice afirmar que uma religião é verdadeira universalmente? É uma loucura afirmar um troço dessa envergadura. Porém, cada religioso afirma isso. Esse fenômeno se chama fanatismo. Não existe religião sem o fanatismo.
Aqui, no Brasil, os cristãos, enganados pelos líderes religiosos, dizem que o cristianismo é a religião verdadeira e que Jesus é o máximo. Se esses cristãos forem ao Iraque, por exemplo, vão ouvir o povo iraquiano dizer que o islamismo é a religião verdadeira e que Maomé é o máximo. E assim em todas as sociedades existentes na face da Terra. Ou seja, cada macaco no seu galho.
A religião é uma criação humana. O homem, ao longo de sua existência, criou deuses, dogmas e ritos. Tanto é verdade que basta estudar cada sociedade para perceber esse fenômeno. Na imaginação do homem, não existe um só deus. Os deuses são os mais variados possíveis. Os egípcios, por exemplo, acreditavam em vários deuses, e assim também os fenícios, os maias, os astecas etc. O povo hebreu, que é o povo da Bíblia, acreditava também em vários deuses. Se você, caro leitor, abrir a Bíblia no Velho Testamento, que na verdade não é velho para os judeus, verá que o povo hebreu era politeísta, ou seja, acreditava em vários deuses. Com o tempo, esse povo, por pressão, violência e maldade praticados pelo próprio povo, passou a crer em apenas um Deus, o Jeová, que é o mesmo Deus adorado pelos cristãos. Você quer um exemplo claro e cristalino de que o povo hebreu era politeísta? Tudo bem! Posso fornecer inúmeros. O Joaquim Domingos Roriz, que é um cristão católico fervoroso, me faz lembrar de uma passagem bíblica do livro de Êxodo que mostra a crença do povo hebreu em vários deuses. Trata-se do bezerro de ouro.
Na lenda bíblica do bezerro de ouro, que está no capítulo 32 de Êxodo, o povo hebreu estava aguardando a descida de Moisés do monte Sinai. Moisés havia subido ao monte para conversar com Deus. Pois bem! Já que Moisés estava demorando muito, ou seja, não descia do monte Sinai, o povo hebreu resolveu fazer um bezerro de ouro, um deus, para adorarem. Juntaram as argolas de ouro das mulheres, das filhas e dos filhos, e fizeram o tal bezerro, o tal deus. E o povo começou a adorar o deus fundido. Aqui, caro leitor, está uma prova mostrada pela própria Bíblia de que o povo hebreu era politeísta. Criou mais um deus para adorar, um deus diferente do Deus Jeová. Quando Deus, o Jeová, ao conversar com Moisés, percebeu que o seu povo estava adorando outro deus, disse a Moisés que O deixasse sozinho porque iria matar todos aqueles que estavam adorando outro deus (versículo 10). Moisés, naquele momento, pediu que Deus tivesse calma, muita calma nessa hora. Moisés, então, desceu do monte Sinai. Quando chegou lá embaixo, uniu alguns guerreiros e, juntos, mataram ao fio da espada uns 3 mil homens, incluindo crianças inocentes (versículo 28). Depois dessa carnificina humana praticada por Moisés e seus comparsas, no dia seguinte, Deus também desceu do monte Sinai e completou a desgraça: matou também o resto do povo que havia adorado outro deus (versículo 35). Veja, caro leitor! E os cristãos ainda dizem que Deus é justo e misericordioso!
Pois bem! Os líderes religiosos enganam facilmente os fiéis afirmando que é natural a expansão do cristianismo. Não, não é natural. Na verdade, é mais uma expansão imposta. Como se vê, o cristianismo não chegou naturalmente ao Brasil. Não desceu do céu. Foi trazido pelos portugueses. E foi, em terras brasileiras, imposto. Eis a grande verdade.
A título de ilustração, se, em 1500, por exemplo, o Brasil tivesse sido descoberto pelos iraquianos, hoje a religião dominante seria o islamismo.
Em religião, não há o natural! Impera o convencional!
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