sexta-feira, 7 de junho de 2019

TRÊS TIROS NA ESCURIDÃO




                                                    Eustáquio


              Prezado leitor,

             Na foto abaixo, eu, Eustáquio, em janeiro de 1986, com 29 anos de idade, na parte mais alta da maior penitenciária do Distrito Federal, conhecida popularmente por Papuda.  
             Em outra oportunidade, registrei que saí de Fortaleza, em abril de 1984, com 27 anos de idade, formado em Letras pela Universidade Federal do Ceará, com destino a Brasília para me submeter a concursos para professor porque o salário na capital federal era melhor. Ao chegar a Brasília, não encontrei de imediato concurso aberto para o magistério, porém havia inúmeros concursos para outras áreas. Já que eu não tinha um tostão no bolso, não poderia ficar aguardando o surgimento de concurso para professor. Então, resolvi enfrentar os concursos existentes. Submeti-me a 4 concursos, obtendo aprovação em todos. O primeiro a me chamar foi o Ministério do Trabalho. O nome do cargo era agente de portaria. Essa “portaria” nada tem a ver com a porta de entrada do prédio. Eu não era um vigilante, um guarda. Se tivesse sido, seria também um orgulho para mim. Eu trabalhava no Departamento de Pessoal. O salário era apenas 1 mínimo. Uma vergonha! Todavia, o órgão oferecia transporte de luxo, lanches e almoço. Com dois meses de trabalho, recebi dois telegramas relativos a órgãos para os quais eu havia me submetido a concursos. Um deles me pagava quase o triplo, mas preferi ficar no Ministério do Trabalho porque fornecia transporte, lanches e almoço. Com 4 meses nesse órgão, apareceu um concurso que eu nem imaginava. Um concurso para a Polícia Civil do Distrito Federal, com lotação na maior penitenciária, o CIR (Centro de Internamento e Reeducação), mais conhecido por Papuda. Eu jamais me imaginei trabalhando numa penitenciária. Fui olhar o edital do concurso. Quando vi o salário, assustei-me. Ora, eu ganhava apenas 1 salário mínimo. A Polícia Civil pagava 12 (doze) vezes mais. Inacreditável! Além disso, era para trabalhar durante 1 dia, com dois dias de descanso. E também oferecia transporte, lanches, almoço e jantar. Quando vi tudo isso, na mesma hora fiz minha inscrição. Obtive aprovação em todas as etapas do concurso e assumi no mês de novembro de 1985. Ao entrar na Polícia, desisti da profissão de professor principalmente em razão do salário. Assim, em janeiro de 1986, comecei a estudar Direito porque, mais à frente, queria ser um delegado de polícia daqui. Concluí o curso 5 anos depois. Não surgiu concurso para delegado na época, aí enfrentei concursos para tribunais e saí da Polícia. Por incrível que pareça, senti-me mais feliz trabalhando na penitenciária. São muitas as histórias vivenciadas ali. Já contei um caso real, envolvendo um ex-colega do Ministério do Trabalho. Neste artigo, narrarei outro caso real.
              Ao tomar posse na Polícia Civil, recebi um revólver por empréstimo. Por força do cargo, era necessário andar com a arma, mas não gosto de armas. Casei-me pouco tempo depois. Minha esposa nunca viu o revólver. Eu chegava ao apartamento, trancava-me no quarto, retirava as balas, guardando-as no canto direito superior do guarda-roupa. E colocava o revólver no canto esquerdo superior. Ou seja, as balas distantes da arma. Minha esposa, mesmo se quisesse alcançar a arma, não conseguiria até mesmo com o auxílio de um banco porque o guarda-roupa era alto, tão alto que, com certeza, se alguém juntasse 8 Nélson Ned, cantor já falecido, não conseguiria pegá-la. Nos primeiros meses de policial, eu não tinha carro. Ia para a faculdade no ônibus da Polícia, às 18h. As aulas na faculdade se encerravam às 23h. Para voltar à penitenciária, já que trabalhava no plantão, dois amigos policiais iam me buscar na faculdade, numa viatura policial. Não havia ônibus público para lá porque o prédio se encontra isolado da cidade.
              Num certo dia, depois das aulas, quase meia-noite, meus amigos não apareciam para me buscar. Liguei para a penitenciária. A viatura havia apresentado um defeito mecânico. E a outra viatura havia levado um preso a um hospital. Então, eu deveria esperar. Disse por telefone ao meu colega que eu iria pegar um ônibus público até uma parte da rodovia que dava acesso à penitenciária. Chegando ali, eu desceria e passaria a caminhar a pé até que a viatura se encontrasse comigo na estrada. E assim aconteceu. Peguei um ônibus público e desci na estrada escura e deserta. Nenhuma casa, nenhum edifício. Apenas a estrada mergulhada numa escuridão profunda. E fui caminhando, com o revólver na cintura. Adoro caminhar, faço isso até hoje. Quando eu estava caminhando por, mais ou menos, 30 minutos, vi luzes fortes à frente. Pensei que era a viatura policial. Era um veículo que passou a toda velocidade naquela estrada escura e deserta. Ato contínuo, apareceram outras luzes. Novamente, pensei que eram meus amigos policiais. Eu caminhava ao lado da rodovia, à margem. Não eram também meus amigos policiais. Esse carro com luz muito forte, ao se aproximar de mim, reduziu a velocidade. Por causa da escuridão profunda, não vi o modelo do carro. Quem estava no carro me via, mas eu não. Quando estava perto de mim, à minha frente, o carro andava lentamente. Eu desconfiei na hora. Saí então da margem direita da estrada, indo para a margem esquerda. E o carro também fez o mesmo movimento. Ou seja, para onde eu ia, o carro ia também. Resolvi então entrar no mato e aguardar. Fiquei quieto, agachado, na escuridão profunda. Com minha mão direita, peguei o revólver. O carro parou, mas continuou ligado. O passageiro da frente abriu a porta, desceu e disse para o outro, referindo-se a mim:


         --- Ele deve estar aqui por perto!


         Fiquei quieto, só aguardando que o cara se aproximasse. Quando ele deu três passos na direção em que eu me encontrava, apontei o revólver para cima, e fiz o primeiro disparo. Naquele silêncio, o barulho do tiro foi mais ensurdecedor. O cara voltou correndo desesperado para o carro. Efetuei o segundo disparo. Sempre para cima. Só ouvi um dizer para o outro:


           ---- Entra, filho da puta, senão vamos morrer!


           E aí efetuei o terceiro e último disparo. O carro saiu gritando com a fricção dos pneus no asfalto. Até hoje aqueles caras devem estar fugindo de mim. Saí do mato e voltei a caminhar pela estrada. 20 minutos depois, meus amigos apareceram com a viatura. Relatei para eles o ocorrido. Um deles disse:


          --- Ó, Lins! Por que você não atirou no filho da puta?


          --- Se eu tivesse feito isso, colega, iria ter uma forte dor de cabeça, até o terminar de todo o processo. Minha ação foi a necessária para aquela situação. Se o cara não tivesse recuado, aí sim, o próximo tiro seria no corpo dele. --- respondi eu.

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