Eustáquio
Prezado leitor,
Na foto abaixo, uma válvula de gás
comumente presente nas cozinhas dos lares brasileiros.
Neste momento, caro leitor, estou aqui
com meu certificado de vendedor lojista expedido pelo SENAC (Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial). No dia 24 de setembro de 1975, dois meses antes de
completar 19 anos de idade, em Sobral, concluí meu curso de vendedor
lojista.
O que faz um professor? Ensina! O que
faz um jogador de futebol? Joga! O que faz um motorista de ônibus? Dirige! E o
que faz um vendedor? Vende! Pois bem! A função de um vendedor qualquer é
vender, e nada mais. Narrarei agora, amigo leitor, um fato real ocorrido comigo
na cidade do Gama, aqui, no Distrito Federal, mais ou menos, em 1997. Eu, minha
esposa e meus dois filhos (ainda crianças) morávamos numa casa bem espaçosa. Na
época, em minha casa, havia uma empregada doméstica maravilhosa chamada Maria
Aparecida de Oliveira.
Num certo dia, pela manhã, por volta
das 10h, alguém bateu palmas diante do portão da casa. Eu estava num dos
quartos cuja janela ficava defronte para uma salinha onde havia uma pequena
mesa. Cida, a empregada, foi atender. Era um vendedor de válvulas de gás,
acompanhado por uma jovem morena. Cida retornou à salinha, perguntando à minha
esposa se ela queria receber o vendedor. Minha esposa permitiu sua entrada. E
eu, no quarto, pela janela, só observando o movimento. O vendedor e sua
auxiliar entraram, sentando-se em cadeiras que estavam naquela salinha, sem
perceberem que eu estava assistindo a tudo. Ato contínuo, o vendedor abriu uma
pasta com vários plásticos, lotada de reportagens de jornais, contendo
desastres relativos a explosões de botijões com gás butano. Enquanto ele
mostrava essas desgraças à minha esposa e à empregada, as duas ficaram
horrorizadas diante do que viam. Num certo momento, minha esposa olha para mim,
e eu, do quarto, aproveitei o momento para balançar negativamente minha cabeça,
avisando silenciosamente a ela que não era para cair na conversa do vendedor.
Porém, meu aviso não adiantou. E o vendedor perguntou à minha esposa:
--- A Senhora permite que eu veja a
válvula e a mangueira do botijão?
Minha esposa, já com medo dos acidentes
que viu por meio das matérias de jornais trazidas pelo vendedor, permitiu que
ele fosse até à cozinha. É óbvio que o vendedor iria condenar a válvula e a
mangueira de minha casa porque ele vendia válvulas e mangueiras. Ele queria a
todo custo vender seu produto. E, eu, do quarto, só acompanhando a
esculhambação. Quando ele foi à cozinha, minha esposa olhou novamente para mim,
e eu, balançando de novo negativamente minha cabeça, avisando a ela que não era
para cair na conversa fiada do vendedor. Novamente, não tive êxito. Ao retornar
da cozinha, o vendedor disse à minha esposa:
--- Senhora, agradeça a Deus porque não
houve um acidente feio em sua casa! A válvula e a mangueira de seu botijão
estão nas últimas. Não sei como não houve um desastre aqui!
Leitor, bem que eu mentalizei que o
vendedor iria condenar a válvula e a mangueira. Minha esposa e a empregada
ficaram com muito medo. Minha esposa, então, perguntou a ele:
--- Moço, e quanto custa essa válvula
que você vende?
--- Senhora, ela está barata! Custa
apenas R$ 75,00, e a gente aceita cartão de crédito. --- respondeu ele.
E a minha esposa:
--- Moço, você aceita cheque?
Quando minha esposa disse isso, eu
fiquei certo de que ela havia caído na conversa fiada do vendedor. Aí eu não me
contive. Do quarto, falei:
--- Calma, pessoal! Eu vou aí!
Saí pela porta do quarto, dando uma
volta pelo corredor. Dei um bom-dia ao vendedor e à sua companheira morena.
Antes de falar alguma coisa, ofereci aos dois um cafezinho com tapiocas que
haviam sobrado. Eles aceitaram. Enquanto eles comiam e bebiam, eu disse:
--- Meu amigo, não tenho interesse
algum em trocar a válvula e a mangueira do meu botijão. Aliás, as duas são
recentes, novas, com validade para 5 anos, conforme normas estabelecidas pelo
INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia).
Quando o vendedor acabou de me ouvir, quase
se engasga com a tapioca. Ele havia percebido que não estava diante de uma
pessoa ingênua. E, de forma muito educada, pegando algumas matérias de jornais
trazidas por ele, eu ainda disse:
--- Além do mais, meu amigo, você
mostrou à minha esposa e à Cida reportagens de jornais com acidentes com
botijões, que, no fundo, não têm relação alguma com válvulas e mangueiras. A
quase totalidade dos acidentes envolvendo botijões ocorre devido ao mau uso, e
não à deficiência de válvulas e mangueiras. Por exemplo, colocar o botijão em
local fechado, passar a mangueira por trás do fogão, passar sabão quando há
vazamento na válvula etc.
O vendedor e sua acompanhante ficaram
completamente calados. Após tomarem o café e comerem tapiocas, agradeceram a
cortesia e foram embora.
Virei-me para minha esposa e para a
Cida, dizendo, com um sorriso estampado no rosto:
--- E vocês duas aí fiquem espertas! O
objetivo de um vendedor é apenas um, e nada mais: vender seu produto! Se eu
vendo válvulas e mangueiras para botijões de gás, é óbvio que eu vou condenar a
válvula e a mangueira dos botijões das casas ou apartamentos que visito. É
óbvio! Se eu não condenar, não venderei meu produto, e perderei meu
emprego.
É simples assim!
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