sexta-feira, 28 de junho de 2019

O VENDEDOR E A VÁLVULA DE GÁS


                                                                    Eustáquio

Prezado leitor,

Na foto abaixo, uma válvula de gás comumente presente nas cozinhas dos lares brasileiros. 
Neste momento, caro leitor, estou aqui com meu certificado de vendedor lojista expedido pelo SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). No dia 24 de setembro de 1975, dois meses antes de completar 19 anos de idade, em Sobral, concluí meu curso de vendedor lojista. 
O que faz um professor? Ensina! O que faz um jogador de futebol? Joga! O que faz um motorista de ônibus? Dirige! E o que faz um vendedor? Vende! Pois bem! A função de um vendedor qualquer é vender, e nada mais. Narrarei agora, amigo leitor, um fato real ocorrido comigo na cidade do Gama, aqui, no Distrito Federal, mais ou menos, em 1997. Eu, minha esposa e meus dois filhos (ainda crianças) morávamos numa casa bem espaçosa. Na época, em minha casa, havia uma empregada doméstica maravilhosa chamada Maria Aparecida de Oliveira. 
Num certo dia, pela manhã, por volta das 10h, alguém bateu palmas diante do portão da casa. Eu estava num dos quartos cuja janela ficava defronte para uma salinha onde havia uma pequena mesa. Cida, a empregada, foi atender. Era um vendedor de válvulas de gás, acompanhado por uma jovem morena. Cida retornou à salinha, perguntando à minha esposa se ela queria receber o vendedor. Minha esposa permitiu sua entrada. E eu, no quarto, pela janela, só observando o movimento. O vendedor e sua auxiliar entraram, sentando-se em cadeiras que estavam naquela salinha, sem perceberem que eu estava assistindo a tudo. Ato contínuo, o vendedor abriu uma pasta com vários plásticos, lotada de reportagens de jornais, contendo desastres relativos a explosões de  botijões com gás butano. Enquanto ele mostrava essas desgraças à minha esposa e à empregada, as duas ficaram horrorizadas diante do que viam. Num certo momento, minha esposa olha para mim, e eu, do quarto, aproveitei o momento para balançar negativamente minha cabeça, avisando silenciosamente a ela que não era para cair na conversa do vendedor. Porém, meu aviso não adiantou. E o vendedor perguntou à minha esposa:


--- A Senhora permite que eu veja a válvula e a mangueira do botijão?


Minha esposa, já com medo dos acidentes que viu por meio das matérias de jornais trazidas pelo vendedor, permitiu que ele fosse até à cozinha. É óbvio que o vendedor iria condenar a válvula e a mangueira de minha casa porque ele vendia válvulas e mangueiras. Ele queria a todo custo vender seu produto. E, eu, do quarto, só acompanhando a esculhambação. Quando ele foi à cozinha, minha esposa olhou novamente para mim, e eu, balançando de novo negativamente minha cabeça, avisando a ela que não era para cair na conversa fiada do vendedor. Novamente, não tive êxito. Ao retornar da cozinha, o vendedor disse à minha esposa:


--- Senhora, agradeça a Deus porque não houve um acidente feio em sua casa! A válvula e a mangueira de seu botijão estão nas últimas. Não sei como não houve um desastre aqui!


Leitor, bem que eu mentalizei que o vendedor iria condenar a válvula e a mangueira. Minha esposa e a empregada ficaram com muito medo. Minha esposa, então, perguntou a ele:


--- Moço, e quanto custa essa válvula que você vende?


--- Senhora, ela está barata! Custa apenas R$ 75,00, e a gente aceita cartão de crédito. --- respondeu ele. 

E a minha esposa:


--- Moço, você aceita cheque?


Quando minha esposa disse isso, eu fiquei certo de que ela havia caído na conversa fiada do vendedor. Aí eu não me contive. Do quarto, falei:


--- Calma, pessoal! Eu vou aí!


Saí pela porta do quarto, dando uma volta pelo corredor. Dei um bom-dia ao vendedor e à sua companheira morena. Antes de falar alguma coisa, ofereci aos dois um cafezinho com tapiocas que haviam sobrado. Eles aceitaram. Enquanto eles comiam e bebiam, eu disse:


--- Meu amigo, não tenho interesse algum em trocar a válvula e a mangueira do meu botijão. Aliás, as duas são recentes, novas, com validade para 5 anos, conforme normas estabelecidas pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia).


Quando o vendedor acabou de me ouvir, quase se engasga com a tapioca. Ele havia percebido que não estava diante de uma pessoa ingênua. E, de forma muito educada, pegando algumas matérias de jornais trazidas por ele, eu ainda disse:


--- Além do mais, meu amigo, você mostrou à minha esposa e à Cida reportagens de jornais com acidentes com botijões, que, no fundo, não têm relação alguma com válvulas e mangueiras. A quase totalidade dos acidentes envolvendo botijões ocorre devido ao mau uso, e não à deficiência de válvulas e mangueiras. Por exemplo, colocar o botijão em local fechado, passar a mangueira por trás do fogão, passar sabão quando há vazamento na válvula etc. 


O vendedor e sua acompanhante ficaram completamente calados. Após tomarem o café e comerem tapiocas, agradeceram a cortesia e foram embora. 
Virei-me para minha esposa e para a Cida, dizendo, com um sorriso estampado no rosto:


--- E vocês duas aí fiquem espertas! O objetivo de um vendedor é apenas um, e nada mais: vender seu produto! Se eu vendo válvulas e mangueiras para botijões de gás, é óbvio que eu vou condenar a válvula e a mangueira dos botijões das casas ou apartamentos que visito. É óbvio! Se eu não condenar, não venderei meu produto, e perderei meu emprego. 
É simples assim!

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