quinta-feira, 13 de junho de 2019

CARIDADE SEXUAL NA PENITENCIÁRIA





Eustáquio



                     Prezado leitor,


             Na foto abaixo, uma das paredes laterais internas da maior penitenciária do Distrito Federal, o CIR (Centro de Internamento e Reeducação), popularmente conhecido por Papuda.
                Precisamente no dia 27 de novembro de 1985, quando eu estava com 29 anos de idade, tomei posse, por meio de concurso público, no cargo de agente penitenciário do quadro da Polícia Civil do Distrito Federal. Nesse dia, cheguei à penitenciária para o primeiro dia de trabalho, e somente a deixei em janeiro de 1990, isto é, trabalhei lá durante 5 anos. São muitos os fatos que vivenciei ali, e aproveito a oportunidade para narrar um deles.
                 Eu trabalhava em regime de plantão, 24 por 48 horas, ou seja, trabalhava um dia, e folgava dois. Uma maravilha! Entrava às 9h de um dia, e saía às 9h do dia seguinte. Naquela época, a Papuda estava com, aproximadamente, mil e duzentos presos. A quase totalidade dos condenados ocupava cela privada, isto é, apenas um preso em cada cela. Havia poucas celas coletivas, ou seja, celas com mais de dois presos. Mesmo assim, não eram celas apertadas ou lotadas. As visitas de familiares e amigos dos presos eram efetuadas somente aos domingos. A cada domingo, por volta das 8h, ônibus chegavam lotados à penitenciária. Familiares e amigos dos presos eram revistados e, após a revista, entravam no pátio. Muitos presos faziam tendas no pátio, com paus e lençóis para terem uma certa intimidade principalmente com as mulheres visitantes. Já outros presos não possuíam tendas, razão pela qual, para fazerem sexo, utilizavam 6 quartos, cada um com 1 banheiro, pelo tempo de apenas 30 minutos. O controle de acesso dos presos aos quartos, obviamente, era feito pelos agentes penitenciários, e aí eu me incluo. Nos domingos, um agente ficava com uma lista com os nomes dos presos e das mulheres que iriam entrar nos quartos para fazerem sexo. Se um determinado preso não estivesse relacionado na lista, não poderia entrar em um dos quartos. Ou seja, não poderia fazer sexo com alguma mulher, mesmo que estivesse matando cachorro a grito. Eu e outro colega de trabalho facilitávamos a vida de alguns presos. Eu, por exemplo, permitia a entrada de presos aos quartos, com suas companheiras maiores de 18 anos, mesmo que seus nomes não estivessem na lista. E os presos sabiam disso. Por isso mesmo, eles me adoravam. E eu, no fundo, não estava fazendo uma coisa ilegal, proibida. A relação de nomes nas listas era apenas uma forma de organizar as entradas, e nada mais. Por que eu permitia a entrada aos quartos de casais cujos nomes não estavam na lista? Ora, por uma razão bem simples. Era muito comum, durante as visitas, uma mulher visitante conhecer um preso e ter o desejo de fazer sexo com ele. A mulher não conhecia o preso, e o preso também não a conhecia. É óbvio que os nomes deles não constavam da lista. E aí eu permitia porque o preso estava desesperado para dar uma trepada, e a relação sexual é relaxante. Depois do gozo, o preso ficava feliz, calmo, sereno e com um sorriso radiante. Passava por mim, e dizia:


             --- Deus lhe pague, policial Lins!


            Pois bem, caro leitor! Havia presos que tinham esposa, namorada, amante. Em relação a esses aí, não havia problema porque, todos os domingos, o sexo estava garantido para eles. E os presos que não tinham esposa, amante e namorada, iriam morrer na masturbação diária? No sexo solitário? Havia presos muito feios e extremamente pobres que nada tinham a oferecer a algumas mulheres prostitutas que apareciam lá. Lembro-me agora do preso com o apelido “Fumaça”. Ele ganhou esse apelido porque era negro, muito negro, tipo o cantor Tony Tornado. Só que Tony Tornado era lindo diante do “Fumaça”. O “Fumaça” é uma das criaturas mais feias que vi ao longo dos meus 62 anos de idade. Ele gostava muito de mim. Num domingo qualquer, uma prostituta estava acompanhando uma irmã de um preso. Pense, caro leitor, numa prostituta feia! Pois essa era mais feia ainda! Mesmo assim, ela não queria abrir as pernas para o “Fumaça”. Eu estava sentado, ao lado da porta que dá acesso aos quartos. O “Fumaça”, batendo com sua mão direita levemente sobre meu ombro esquerdo, foi logo falando:


               --- Seu Lins, só o sinhô mermo pra me salvar. Arranjei uma muié aí, e meu nome não tá lista, e ela tá me cobrando cinco real. Não tenho, seu Lins.


              --- Não esquenta, “Fumaça”! Hoje, você vai gozar, meu amigo! Pegue aqui vinte reais para você. Dê cinco à mulher e fique com os quinze. -- disse eu, retirando o dinheiro de minha carteira.


                   Quatro minutos depois, lá vem um dos casais mais feios que vi em toda minha vida: o “Fumaça” e a prostituta. Entraram em um dos quartos, permanecendo ali por 30 minutos, o tempo máximo permitido. “Fumaça”, depois do sexo, era outro homem, feio como sempre, mas com um largo sorriso estampado no rosto.
                   Caro leitor, dei a este artigo o título “Caridade sexual na penitenciária”. Pois bem! O “Fumaça” e alguns presos não tinham mulheres, não faziam sexo. Viviam se masturbando. Ora, a masturbação não preenche o vazio deixado pela ausência de sexo. Ninguém fica sorrindo depois de uma masturbação, mas fica radiante de alegria depois de fazer sexo com alguém. Para resolver o problema de presos feios, muito pobres e sem companheira, apareceu naquela época na penitenciária uma mulher idosa, com aproximadamente 65 anos de idade, feia que dói, com apenas 1 dente podre no meio da arcada dentária superior e cadeirante, numa cadeira de rodas. Aquela mulher paraplégica, grudada para sempre numa cadeira de rodas, idosa, feia e pobre, realizou, de graça, sem cobrar um tostão, o sonho de muitos presos. O “Fumaça” agora tinha uma mulher para fazer sexo. Como aquela cadeirante adorava fazer sexo! Em meus plantões de domingo, aparecia o “Fumaça”, empurrando a cadeira de rodas sobre a qual estava a caridosa idosa, com destino às maravilhas do sexo. Quando o “Fumaça”, depois do sexo, trazia a idosa, imediatamente outro preso lascado pegava-a de novo, e lá vai a idosa sendo conduzida para novo abate. Aquela mulher adorava fazer sexo! Eu ria muito porque a idosa transava num domingo com uns 15 presos, e não exigia um tostão. Fazia aquilo por caridade, por caridade sexual! Que mulher fantástica! Um poço de bondade, de amabilidade, de fraternidade! Até então, em minha vida, eu tinha visto várias modalidades de caridade (doação em dinheiro, por meio de roupas, emprego etc.), porém nunca tinha visto caridade por meio de sexo. Nunca tinha presenciado uma mulher fazer sexo com homens somente para aliviá-los, somente preocupada com a realização sexual deles. Nunca me esquecerei da bondade daquela idosa com apenas 1 dente podre, solitário, na arcada dentária superior.
                    Em janeiro de 1990, depois de 5 anos de trabalho na inesquecível Papuda, saí para assumir outro cargo em outro órgão. O “Fumaça” ficou, e a cadeirante idosa continuou indo todos os domingos. Depois de 2 anos após minha saída, voltei à penitenciária, num sábado, para visitar os amigos. Almocei com eles lá, em nosso farto restaurante gratuito. O “Fumaça” já estava livre, nas ruas. Perguntei a meus colegas se a cadeirante que adorava fazer sexo ainda frequentava aos domingos a penitenciária. Eles me disseram que ela havia falecido há uns 4 meses e que muitos presos choraram sua morte. A Papuda chorou quando a idosa desdentada faleceu. E não era para menos, caro leitor!
                 Aquela mulher merecia uma estátua de bronze na frente da Papuda.


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