domingo, 9 de junho de 2019

O SONHO DA SOBRALENSE CÉLIA LINS




Eustáquio


                      Prezado leitor,

              Na foto abaixo, minha irmã Célia Lins, em agosto passado (2018), passeando de barco nas águas de Mundaú, um município de Trairi, a 140 quilômetros de Fortaleza, no Ceará.
                      Célia Lins está com exatos 80 anos de idade. Mora na rua Conrado Cabral, em Fortaleza, numa casa espaçosa, assobradada (dois pisos) e própria. É viúva, pois seu esposo Edvan Santos Dumont (que não tem parentesco algum com o famoso aviador brasileiro) faleceu há muitos anos. Edvan deixou para Célia apenas uma mísera pensão no valor de um salário mínimo. Obviamente, ninguém consegue comprar uma casa simples, e muito menos com um sobrado, com essa quantia. Célia adquiriu essa casa por meio de um seguro de vida cujas prestações eram pagas por seu filho Roger Lins. Com a morte do esposo, Célia finalmente realizou um sonho antigo: uma casa própria! Na casa, moram ela, suas duas filhas (Mônica e Márcia) e o genro Camilo, esposo de Márcia.
               Em fevereiro deste ano (2019), eu estava em Fortaleza para mais um mês de diversão. Quando estou na capital, fico num apartamento bem simples com minha irmã Liduína, situado na Avenida Sargento Hermínio Sampaio, bem próximo da casa da Célia, razão pela qual todos os dias vou à residência dela para colocar as fofocas em dia.  Num certo dia desse mês, eu, Célia e Mônica estávamos conversando na calçada da casa, sentados em cadeiras. Célia estava muito preocupada. Antes, seu sonho era ter uma casa própria. Foi realizado. Só que agora ela virou o disco. Seu sonho agora é se mudar para um apartamento. Na ocasião, ela me disse que iria trocar a casa por um apartamento pequeno, de 3 quartos, na Vila Cisne, defronte para a padaria “Gourmet”, na Avenida Sargento Hermínio. Não achei boa aquela ideia, e fui franco:

         --- Célia, pense bem! É bobagem trocar essa casa tão espaçosa, com sobrado, por um apartamento na Vila Cisne. E pior: a Mônica me disse que o condomínio está no valor de R$ 350,00 ( trezentos e cinquenta) reais. Ora, Célia, você ganha mensalmente apenas R$ 950,00 (novecentos e cinquenta) reais. Como é que você vai tirar todos os meses o dinheiro para pagar o condomínio, além disso, o valor do condomínio sobe a cada ano. Célia me respondeu assim.


              --- Eustáquio, você não tem ideia da minha tristeza nessa casa. A Mônica, a Márcia e o Camilo dormem lá em cima. Eu já estou velha, não tenho condições de subir por aquela infeliz escada. Sofro de depressão, e o pior momento é à noite. Sinto-me muito triste principalmente na escuridão da madrugada.


                --- Célia, não fique preocupada com a escuridão da noite. Alma não existe, lobisomem não existe e muito menos o Conde Drácula. O que pode aparecer em sua casa durante à noite, e realmente aparecem, são baratas e ratos. -- disse eu.


                   Célia soltou um sorriso. Nisso, entra a Mônica:


                  --- Eustáquio, você nem imagina a dor de cabeça da gente por causa dessa maldita venda da casa. O diabo do processo até hoje está parado no cartório ladrão por causa de um erro na metragem do terreno. O desgraçado do cartório errou, mas é a gente que paga. Mamãe já gastou R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta) reais com taxas. Que cartório infame! E o outro ladrão, o tal de Régis, só liga para encher o saco.


                        --- Quem é esse Régis, Mônica? Será que é o filho do Manéis de Sobral? --- perguntei eu, brincando.

                        --- Não, esse Régis é um corretor de imóveis. O infeliz não resolve nada. Já disse até para a mamãe que desista de tudo. Vamos ficar aqui mesmo na casa e ponto final. Só aparece ladrão para pegar dinheiro. Outro dia, foi o miserável do engenheiro. Ele apareceu aqui, em casa, sozinho, sem um ajudante, com uma trena na mão para medir as dependências da casa. O desgraçado ainda pediu que eu segurasse a ponta da trena para que ele pudesse fazer a medida. Não gastou nem 10 minutos. No final, abriu a mão, e a mamãe pagou-lhe R$ 800,00 (oitocentos) reais. Mamãe já está devendo a um agiota quase R$ 1.000,00 (mil) reais. Num sei não, viu, haja dinheiro!


                        Eu olhei para a Célia e disse:


                 --- Célia, desista disso! Vamos amanhã ao cartório para cancelar o processo. Até agora, você já gastou R$ 1.280,00 (mil duzentos e oitenta) reais, e com certeza gastará mais. Vamos amanhã ao cartório, a gente cancela tudo e o cartório lhe devolverá os R$ 480,00. Quanto ao dinheiro pago ao engenheiro, pode esquecer. Já era.


                     No dia seguinte, peguei a Célia e fomos no meu carro ao cartório, situado no bairro Aldeota. Chegando lá, eu disse a um serventuário que minha irmã havia desistido de tudo. Ele chamou outro empregado que veio com a pasta do processo. Célia lhe disse que estava ali para cancelar tudo e pegar o dinheiro que havia torrado em taxas. O rapaz do cartório, bastante educado, disse à Célia que não desistisse porque o processo já estava quase no final a fim de regularizar a escritura da casa. Célia não aceitou suas explicações, estava decidida a pôr um ponto final em tudo. O empregado então pediu que ela esperasse porque ele iria buscar o formulário de desistência. Célia e eu ficamos aguardando. Nisso, um homem que estava sentado ao lado da Célia, começou a conversar com ela, e eu só ouvindo. O homem dizia a ela que não desistisse do processo porque já estava quase no final. E eu só ouvindo! O homem colocou tanta abobrinha na cabeça da Célia que ela realmente desistiu de desistir. Virou o disco. Quando o serventuário do cartório voltou, com o termo de desistência nas mãos, eu disse a ele que a Célia havia mudado de opinião, que ela queria a continuação do processo. O serventuário abriu um sorriso de felicidade, parabenizando a Célia pela inteligente decisão. Ele, nesse momento, mostrou à Celia 3 editais, dizendo:


                --- Muito bem, Senhora Célia, meus parabéns por não ter desistido! Agora, a coisa é bem simples. A Senhora vai levar esses 3 editais para providenciar a publicação em qualquer jornal de grande circulação em Fortaleza. Os editais devem ser publicados em dias diferentes, não no mesmo dia. Quando forem publicados, a Senhora destaca as 3 publicações e traz para o cartório. Certinho?


                  A Célia, já fechando um pouco a cara  diante do procedimento relativo aos editais, perguntou ao serventuário:


                  ---- Sim, moço, e quanto eu vou gastar com esses editais, hein?


                           --- A Senhora deve gastar com os 3 editais, mais ou menos R$ 1.600,00 (mil e seiscentos) reais. --- respondeu o homem.


                        Quando a Célia ouviu aquilo, quase desmaia. Parecia até que um terremoto estava destruindo Fortaleza. Célia ficou branca de tanta raiva. Devolvendo rapidamente os 3 editais ao serventuário, disse-lhe:

                       --- Moço, tome essas porcarias! Pode rasgar tudo! Não quero mais nem saber disso! Por favor, desisto de tudo agora mesmo! Isso é um absurdo, moço, uma viúva que recebe apenas 1 salário miserável por mês, como é que vai ter dinheiro para essas publicações miseráveis?

                            
                           E Célia assinou o termo de desistência, no que fez muito bem!   

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