O jornal Correio Braziliense, segunda-feira passada, dia 7, na página 28, traz uma reportagem intitulada “A onça vai ao dentista”.
Eis, amigo leitor, um dos trechos da matéria jornalística:
“Em maio, um leão chamado Yuri, vindo do Zoológico de Niterói, foi sacrificado em Brasília, após ter tido problemas dentários. (...) Depois de uma biópsia, segundo informações do documento, uma junta médica chegou à conclusão de que a eutanásia seria a melhor opção. Segundo informações da direção do Zoo de Brasília, se Yuri ficasse vivo, perderia a função da mandíbula e não conseguiria se alimentar.”
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Pois bem! A manchete acima é clara. Um leão, que é um animal irracional, estava com problemas dentários. Os médicos o analisaram e acharam por bem matá-lo, praticando a eutanásia. Esses médicos são pessoas ruins? Não, claro que não! Eles praticaram a eutanásia com o fim de ajudar o pobre animal. Imagine, amigo leitor, um leão com problemas dentários em seu habitat! Ora, ele é um animal carnívoro, que se alimenta de carne, e carne crua. E, por cima, uma carne muito dura. E ele ainda tem que correr atrás da carne, matando inúmeros animais. Sem a saúde dos dentes, o leão Yuri logo morreria de fome. Para evitar esse sofrimento, os médicos resolveram praticar a eutanásia. Parabéns, pois, aos médicos. Livraram o pobre animal de um sofrimento desnecessário.
Em junho deste ano, encaminhei aos meus amigos leitores 2 artigos em que eu defendia a prática da eutanásia em seres humanos no Brasil. Em razão da reportagem jornalística acima, volto ao assunto.
Naqueles artigos, mostrei claramente que a legislação brasileira é profundamente louca. O Estado brasileiro proíbe a prática da eutanásia em seres humanos, alegando o princípio da inviolabilidade do direito à vida, previsto no “caput” do artigo 5º da Constituição. Dessa forma, se um brasileiro, à beira da morte, se dirigir a um juiz de Direito reivindicando a eutanásia, o magistrado não deferirá o pedido, argumentando que a Constituição protege o direito à vida. Se ela garante a inviolabilidade do direito à vida, não pode permitir que algum brasileiro seja submetido à eutanásia. Assim pensam inúmeros profissionais do Direito. Só que esses profissionais do Direito estão equivocados.
Por que eles estão equivocados? Ora, estão equivocados porque não fazem uma análise sistemática do próprio Direito. Basta ver o conjunto de leis existente no Brasil. Apesar de a Constituição garantir a inviolabilidade do direito à vida, em algumas situações essa inviolabilidade vai parar na lata de lixo, ou seja, a própria Constituição é deixada de lado, esquecida e abandonada. E esses profissionais do Direito nem percebem esse fenômeno.
Vou citar aqui apenas um exemplo para não ser repetitivo. Ora, meu amigo leitor, se o princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida fosse cumprido seriamente, jamais o Estado brasileiro permitiria a prática do aborto. Jamais! Ora, o que é o aborto? O aborto significa a extinção de uma vida humana. O feto, que está ainda no útero da mãe, é um ser humano, uma vida humana. Quando uma mulher engravida em decorrência de um estupro, o Estado brasileiro permite que o feto, um ser humano, seja extinto. Percebeu a loucura, amigo leitor? Ora, se a Constituição garante a inviolabilidade do direito à vida, jamais poderia permitir que um feto humano fosse “assassinado” por médicos. O feto humano é uma vida, e uma vida que está sendo eliminada apesar de a Constituição garantir a inviolabilidade do direito à vida. Percebeu, amigo leitor, como a legislação brasileira é profundamente louca!
Essa louca legislação não permite a prática da eutanásia em benefício de pessoas adultas que sofrem males irrecuperáveis, que estão à beira da morte, mas, por outro lado, tira a vida de seres humanos inocentes (fetos). Que legislação louca e hedionda! Ora, o que seria lógico? Se o Estado brasileiro permite que a vida de um feto humano seja interrompida, com maior razão deveria permitir a prática da eutanásia, já que aqui são pessoas adultas e conscientes que querem pôr um fim a uma vida de sofrimento em razão de uma doença incurável. Isso é óbvio. No Direito, quem pode o mais (eliminar a vida de um ser humano inocente) pode o menos (atender o pedido de um ser humano adulto, concedendo-lhe a eutanásia). Isso é lógico!
Veja, caro leitor, como a sociedade brasileira é também profundamente idiota, burra, imbecil. Como diz a manchete do Correio Braziliense, o leão Yuri deixou de existir em decorrência da eutanásia. Os médicos resolveram pôr um fim à vida dele para evitar que o pobre animal sofresse mais. Eis uma ação louvável! No Brasil, a eutanásia é permitida nos animais irracionais. Se um cavalo, por exemplo, cai num buraco, quebrando as pernas, ele pode ser sacrificado para evitar sofrimentos futuros. E o Estado brasileiro permite a eutanásia por pura compaixão pelo animal irracional. É doloroso ver um pobre animal irracional sofrendo dores terríveis. É preferível sacrificá-lo. Por outro lado, loucamente, essa sociedade que tem dó do sofrimento de um animal irracional, não se compadece diante da dor incurável de um ser humano adulto. Que loucura! O animal irracional deve ser sacrificado (eutanásia) para evitar sofrimentos, porém um brasileiro em estado terminal, um animal racional, não deve ser contemplado com a eutanásia, ou seja, deve sofrer dores até morrer. Que loucura!
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