A verdade é uma coisa valiosa que um ser humano deve buscar a cada segundo, a cada minuto, a cada hora, a cada dia. Para alcançá-la, o homem deve abandonar seus preconceitos, suas manias e sua parcialidade. Só assim a verdade será alcançada.
A mentira é o oposto da verdade. Por essa razão, a mentira se alimenta de preconceitos, manias e parcialidade. Mostro-lhe, amigo leitor, um exemplo bem recente.
Semana passada, por ocasião da greve deflagrada pelos policiais civis do Distrito Federal, os jornais e as televisões mostraram a cena em que um policial civil dá uma pesada num carro Ford Ka que estava trafegando lentamente pela Esplanada dos Ministérios. E o policial ainda gritou com o motorista, pedindo, se ele fosse homem, que descesse do carro para brigar. O jornal Correio Braziliense, em sua primeira página, colocou uma foto enorme em que o policial aparece chutando o veículo. Agora eu lhe pergunto, caro leitor: esse fato é verdadeiro? É! Claro que é! A imagem está aí, claramente mostrando que se trata de um fato verdadeiro. E, por pressão, o policial civil foi afastado temporariamente de suas funções. Está trabalhando em outro setor.
Agora, veja a mentira, caro leitor. E ela surge por causa da parcialidade. O presidente do SINPOL, sindicato dos policiais civis do Distrito Federal, em entrevista ao Correio Braziliense, disse que o policial não deu pesada em carro algum e que as pessoas deveriam provar a acusação. Percebeu, amigo leitor, a mentira do representante do sindicato? Por que ele mentiu? Ora, ele mentiu porque é parcial, ou seja, ele está ali para defender os policiais civis, e não para levantar bandeira em favor da verdade. Quando o assunto é defender o sindicalizado, verdade alguma interessa a sindicato algum. O que importa é a defesa do sindicalizado, mesmo que ele tenha cometido as piores barbaridades. A mentira acima de tudo!
Pois bem! O Correio Braziliense, sábado passado, dia 26, na página 13, traz uma matéria com o seguinte título:
“CORTE DE FÉRIAS ENFRENTA CRÍTICA”
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A matéria jornalística versa acerca de uma sugestão da corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, no sentido de redução das férias dos juízes de Direito, dos atuais 60 dias para 30 dias. Ou seja, a desembargadora deseja que os juizes de Direito gozem férias como qualquer trabalhador do país, isto é, no período de 30 dias.
Do outro lado, estão as associações de juízes. Elas defendem que os juízes de Direito devem continuar gozando férias de 60 dias, e não de apenas 30, como os demais trabalhadores brasileiros.
E você, amigo leitor, o que acha? Você concorda com Eliana Calmon ou com as associações dos juízes de Direito? Eliana Calmon diz que os juízes, como trabalhadores, devem ser iguais aos outros trabalhadores. Ela deixa a pergunta no ar:
“E os dias trabalhados dos outros trabalhadores brasileiros são diferentes?”
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Em oposição à sugestão da desembargadora Eliana Calmon, o desembargador federal Fernando Tourinho Neto, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e presidente em exercício da Associação dos Juízes Federais do Brasil, alega:
“É inacreditável que uma juíza de carreira brilhante (...) tenha tais ideias, sabendo, de ciência própria, que o cansaço mental do magistrado, sua preocupação diuturna para bem decidir, a falta de recursos materiais para bem desempenhar sua função, exijam um descanso maior, anualmente, para eliminar o cansaço cerebral.”
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E, agora, leitor? Você já conhece a fundamentação da desembargadora Eliana Calmon! E já sabe também quais são os argumentos contrários apresentados pelo desembargador Fernando Tourinho Neto! E agora? De que lado você fica?
Bem! Eu fico do lado da desembargadora Eliana Calmon. Sem dúvida alguma! Concordo com ela em gênero, número e grau. E por que concordo com ela? Porque os argumentos apresentados pelo desembargador Fernando Tourinho Neto não têm sustentação lógica alguma. Ou seja, são fundamentações fracas, anêmicas e frágeis, que não resistem a uma análise lógica e à realidade dos fatos.
Ora, o desembargador afirma que o juiz de Direito tem um ferrenho cansaço mental. Diz também que o magistrado se preocupa durante todo o dia com a árdua tarefa de decidir. E, finalmente, pontua que o magistrado sofre com a falta de recursos materiais. Por essas razões, segundo o desembargador, os juízes devem ter 60 dias de férias.
Com todo o respeito, discordo veementemente do desembargador Fernando Tourinho Neto. Os seus argumentos não encontram morada no meu cérebro nem que a vaca tussa. Por mais que eu me esforce, leitor amigo, não consigo colocar em meus neurônios sequer um desses argumentos.
Ora, o trabalho do juiz de Direito, na realidade, não é esse “inferno” desenhado pelo desembargador. Verdade seja dita, amigo leitor! Verdade seja dita! Juiz algum vive morrendo de cansaço mental. Nas capitais, o juiz tem uma excelente estrutura de trabalho: gabinete com ar-condicionado, cartório com vários servidores para auxiliá-lo nas tarefas cotidianas, oficiais de gabinete para auxiliá-lo nos despachos, decisões e sentenças, computadores, internet, transporte com motoristas, lanches diários etc. Onde está o “inferno”, caro leitor? Onde está o “inferno” com os capetinhas? O juiz trabalha de segunda a sexta, num só período do dia, pela manhã, ou à tarde, ou à noite. Não vejo desgaste absurdo e descomunal nos juízes de Direito. Ao contrário, vejo juízes sadios, felizes, esbeltos, bem vestidos e com a pele igual à de uma maçã. E, frise-se, o juiz tem ainda recesso de 15 dias, no final do ano.
O trabalho do juiz, em sofrimento, está muito aquém de inúmeros trabalhos existentes no Brasil. Se o desembargador acha que o juiz deve ter 60 dias de férias ao ano porque o seu trabalho é muito desgastante, com maior razão deveria afirmar que um professor deveria ter, por exemplo, 6 meses de férias. O trabalho desempenhado por um professor da rede pública é milhões de vezes mais desgastante do que aquele executado por um juiz. O professor da rede pública sofre mais do que sovaco de aleijado. O ambiente de trabalho é uma verdadeira imundície: salas de aula sem ar-condicionado, sem ventiladores, tetos caindo, cadeiras quebradas, paredes pichadas e quadro-negro estragado. Nos colégios públicos, pias quebradas, torneiras com defeito, banheiros com cheiro forte de urina e merda e vasos sanitários atolados de bosta. Quando o professor dá descarga, a merda cai sobre o seu sapato. Esse, amigo leitor, é o ambiente de um professor da rede pública. Em casa, o professor ainda trabalha gratuitamente. Corrige deveres de casa, trabalhos e provas. Nada recebe por isso. Estuda a fio a fim de se aprimorar dia a dia. Além de tudo, ainda enfrenta conflitos entre alunos. Brigas, alcoolismo e drogas estão presentes nas escolas públicas. Não raro, o professor é agredido e morto por alunos. Se você acha, leitor amigo, que o juiz precisa de 60 dias de férias por ter um trabalho muito “cansativo”, e o professor, coitado? Com certeza, deveria ter 6 meses de férias, e ainda é pouco.
E o trabalho do mineiro? O mineiro, amigo leitor, é aquele pobre ser humano que trabalha em minas. Na verdade, aquilo não pode ser chamado de trabalho, mas de escravidão. O mineiro, coitado, trabalha manhã e tarde, num ambiente totalmente hostil e escuro, quebrando pedras duríssimas. Que trabalho ingrato! Grande parte desses trabalhadores morre ali mesmo, em pleno local de trabalho. Não há nem necessidade de fazer o sepultamento. A terra, por si só, já os engole. Se você acha, caro leitor, que o juiz de Direito deve gozar férias de 60 dias pelo trabalho “cansativo”, e o mineiro? Com certeza, pelo trabalho cansativo, merece uns 10 meses de férias, e ainda eu acho pouco.
E o carvoeiro? O carvoeiro, distinto leitor, é aquele ser humano que trabalha em carvoaria. Você sabe, amigo leitor, o que é uma carvoaria? Pois bem! Uma carvoaria é um verdadeiro inferno, só que não é administrado por “Satanás” e seus demônios. São seres humanos os seus proprietários. Carvoaria é uma pequena casinha feita com tijolos e barro utilizada para a fabricação de carvão. O calor lá dentro é insuportável. Se o “Satanás” entrar em uma carvoaria, vai achar que o seu “inferno” é um lugar muito frio. O carvoeiro, amigo leitor, entra na carvoaria, arrastando-se pelo chão. Não raro, morre ali dentro ou sai todo queimado, mais queimado do que o ex-corredor de Fórmula 1 Niki Lauda. Quando retorna para sua casa, à noite, o carvoeiro está mais quebrado do que arroz de terceira categoria.
E o médico? O médico, principalmente aquele que trabalha nos hospitais públicos, é um trabalhador incansável. Submeteu-se ao vestibular mais concorrido do país. Fez o curso superior mais longo de todos. E trabalha em ambientes precários, sem a mínima estrutura. Nos hospitais públicos, falta de tudo: esparadrapos, gazes, macas, agulhas, médicos, remédios etc. Os banheiros e corredores são imundos Não raro, médicos, enfermeiras e auxiliares de enfermagem são agredidos fisicamente por pacientes, como se eles fossem os responsáveis pela desordem. Como o trabalho do médico é cansativo! E a responsabilidade é extrema. Em caso de erro aqui em Brasília, por exemplo, há um Diaulas Ribeiro para lhe descer o pau.
E o soldador profissional? O soldador profissional é aquele ser humano que trabalha com solda para grandes empresas. Que trabalho cansativo e desgastante! Tenho um amigo que trabalha como soldador para a empresa Montcalm. Atualmente, está trabalhando numa obra em Cezarina, cidade que fica a 240 quilômetros de Brasília. Cezarina é uma cidade muito quente. Sábado passado, estive lá, visitando o meu sobrinho que é casado com a irmã do soldador. Pois bem! Eu não estava aguentando o calor dentro de casa. Imagine, caro leitor, o meu amigo soldador, vestido com aquela roupa especial de soldador, com o corpo todo protegido, a uma altura de 30 metros! Ele me disse que o calor que ele sente é demais, quase insuportável. Todos os dias, quando retorna para casa, ele está moído, morto de cansado. Se o juiz de Direito merece 60 dias de férias por exercer um trabalho “cansativo”, com maior razão o meu amigo soldador poderia ganhar férias de 10 meses.
A desembargadora Eliana Calmon tem toda razão. Não há por que o juiz gozar férias anuais de 60 dias, quando os outros trabalhadores gozam muito menos. Não há argumento algum para sustentar tamanha injustiça. E o grito da desembargadora ressoa:
“E os dias trabalhados dos outros trabalhadores brasileiros são diferentes?”
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