O jornal Correio Braziliense, quarta-feira passada, dia 16, em sua primeira página (capa), em letras enormes, traz a trágica notícia:
“ TRAGÉDIA NO FERIADÃO
ÔNIBUS COM 42 PASSAGEIROS DE SANTO ANTÔNIO DO DESCOBERTO, DIRIGIDO POR UM MOTORISTA COM HABILITAÇÃO VENCIDA, VOLTAVA DE APARECIDA (SP) QUANDO BATEU NUMA MURETA E TOMBOU NA PISTA.
10 MORTOS
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Eis, amigo leitor, a principal manchete do jornal. E o periódico jornalístico traz também uma foto enorme do ônibus capotado no asfalto, sob os olhares de várias pessoas curiosas. O ser humano adora ver as desgraças dos outros. Quando um veículo qualquer capota ou bate em outro, os populares correm para ver a desgraça: cabeça decepada, olhos esbugalhados, barras de ferro enfiadas na cabeça, nos olhos e no estômago, enfim, uma desgraça total. Além do mais, o ser humano, por ser o pior animal que existe na face da Terra, ainda aproveita a desgraça dos outros para furtar algumas coisinhas. Enquanto os acidentados estão mortos ou quase morrendo, algumas pessoas aproveitam a ocasião para furtarem celulares, dinheiro, bolsas, roupas, relógios, notebooks e outras coisas. O ser humano é, realmente, o pior animal que existe na face da Terra.
O ônibus levava 42 passageiros católicos, em sua maioria, moradores de Santo Antônio do Descoberto, cidade goiana que fica a 47km de Brasília. Tratava-se de um passeio exclusivamente religioso cristão. Três vezes por ano, eles saiam de Santo Antônio do Descoberto com destino à cidade de Aparecida, no estado de São Paulo. O acidente aconteceu por volta das 15h30 no km 32 da Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, em São Paulo.
O mesmo jornal, quinta-feira, dia 17, nas páginas 33 a 36, volta a comentar o trágico acidente. Anatália Maria Franca, católica, 56 anos, um dos sobreviventes, diz, na página 35:
“A viagem foi tranquila. Um grupo de senhoras fazia canto religioso à noite e quem viajava no andar inferior contava graças alcançadas com Nossa Senhora de Aparecida. Nunca imaginei que esse tipo de tragédia pudesse ocorrer com quem se sacrifica em nome de uma causa religiosa. Uma amiga que dedicou a vida toda à caridade foi a primeira a ser cuspida para fora quando o ônibus virou. Zilda Arns morreu assim também, né? Eu acho que Deus sabe o que faz. Não havia pessoas más na excursão. Todo mundo amava Nossa Senhora. Tenho certeza de que o Nosso Senhor sabe o que fez. Eu estou viva graças a Ele e ao cinto de segurança, que não desamarrei em nenhum momento.”
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Quando eu li o depoimento acima, fiquei triste. Anatália, católica fervorosa, mostra o seu inconformismo diante do trágico acidente. Ela não entende por que uma desgraça dessa foi logo acontecer com pessoas que, durante todo o ano, se sacrificam em prol da fé cristã católica.
Ora, amigo leitor, regra geral, quem mora em Santo Antônio do Descoberto é muito pobre. Eu conheço essa cidade. Ali, há carência de tudo. Uma pessoa rica ou milionária jamais vai morar em Santo Antônio do Descoberto. Ao contrário: quer distância dessa pequena cidade. Esses romeiros católicos, que estavam no ônibus, são, pois, pessoas pobres, sem recursos. Durante todo o ano, eles com sacrifício fazem uma humilde poupança, juntam um dinheirinho miserável, a fim de realizar um grande sonho: ir à cidade religiosa de Aparecida, em São Paulo. É por isso que Anatália não consegue entender por que Deus agiu dessa forma, permitindo que 10 pessoas fiéis a Ele morressem, inclusive crianças inocentes, e que outras ficassem feridas. Por que Deus fez uma desgraça dessa, logo com pessoas que se dedicavam a Ele com todo amor e sacrifício? Eis, amigo leitor, a inquietação de Anatália.
O ser humano, caro leitor, adora viver na ilusão. Isso é uma certeza científica comprovada pela Psicologia. Em razão disso, o homem recorre às mais variadas superstições: religião, astrologia, cartomancia, quiromancia, tarologia, numerologia, búzios e outras mais.
No caso de Anatália, sobressai-se a religião. Essa superstição colocou no cérebro dela que existe um Deus que está por trás de tudo o que ocorre no mundo e no Universo. Anatália, coitada, pensa assim. Para ela, nada acontece na Terra sem a permissão de Deus. Ou seja, Deus está por trás de tudo, seja bom, ou seja ruim. Em seu desabafo, ela não entende o porquê, mas aceita a desgraça porque Deus assim quis.
Ora, tudo isso se resume em loucura. Não há Deus algum, Nossa Senhora alguma, “santo” algum, que estejam por trás de alguma coisa, seja boa ou má. Tudo isso é pura fantasia criada pelo cérebro humano. Deus algum resolveu matar 10 pessoas, inclusive crianças inocentes, para o seu deleite, para o seu prazer. Deus algum interfere na vida de ninguém, nem para matar, nem para salvar. Deus algum resolveu punir esses fiéis católicos que, com sacrifício, dedicavam a vida a Ele.
A pobre Anatália desabafa:
“Nunca imaginei que esse tipo de tragédia pudesse ocorrer com quem se sacrifica em nome de uma causa religiosa.”.
Ela pensava que um turismo exclusivamente religioso estaria a salvo de qualquer perigo, como se Deus ou Nossa Senhora tivessem forças para evitar algum desastre. Pobre Anatália!
Mais à frente, ela diz:
“Uma amiga que dedicou a vida toda à caridade foi a primeira a ser cuspida para fora quando o ônibus virou.”.
Pois bem! A sua amiga caridosa e fraterna foi a primeira pessoa a ser arremessada para fora do ônibus. Anatália não entende por que Deus fez isso, mas aceita a ação Dele. Ora, Deus algum jogou a amiguinha de Anatália para fora do ônibus. Logo ela, uma pessoa boa e caridosa. Na verdade, a amiguinha de Anatália foi projetada para fora do ônibus porque estava sem o cinto de segurança. Eis o porquê de ela ter sido arremessada.
E Anatália continua com o seu desabafo:
“Eu estou viva graças a Ele e ao cinto de segurança, que não desamarrei em nenhum momento.”
Esse desabafo de Anatália encerra parcialmente uma verdade. Ela escapou com vida por 2 fatores: primeiro, o impacto da batida do ônibus não incidiu com força sobre o banco em que ela estava; segundo, ela estava com o cinto de segurança. Ela própria diz que durante toda a viagem não desamarrou o cinto nem por um segundo. Deus algum, pois, interferiu em nada.
E Anatália desabafa mais uma vez:
“Não havia pessoas más na excursão. Todo mundo amava Nossa Senhora.”
Anatália, coitada, pensa que os céus protegem as pessoas religiosas. Pura ilusão! Desgraças ocorrem na vida de todos: religiosos, ateus, macumbeiros, ladrões, caridosos, pobres, ricos, negros, brancos, velhos, crianças e por aí vai. Ninguém está a salvo dos desastres. As desgraças não têm olhos, nada veem. Não conseguem, pois, identificar uma pessoa qualquer na multidão. E olhe, caro leitor, que hoje são 7 bilhões de pessoas no planeta Terra.
O ser humano adora a ilusão!
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