quarta-feira, 4 de abril de 2012

B I S U I S

Março de 1946. O pequeno distrito piauiense de nome Amarante, hoje cidade Regeneração, localizada entre Floriano e Teresina, possuía apenas duas ruas de casinhas humildes, uma pracinha, a igrejinha São Gerardo e o Barzinho do Zé, que, além da cachaça, vendia leite e pão seco trazidos de Floriano
Naquele ano, a população contava 700 almas. Amarante nada produzia. A terra tórrida e infértil era inapropriada para a agricultura. Os homens, analfabetos de pai e mãe, trabalhavam de sol a sol, nos sítios e fazendas dos ricaços de Teresina. E as mulheres só serviam para cuidar da casa e parir filhos.
José Bonifácio, ou simplesmente o “Zé do bar”, tinha uma situação financeira melhor que a dos outros. O seu bar era humilde, mas monopolizava as mercadorias simples de Amarante. Se alguém queria comprar um litro de leite, não havia outro caminho, senão o Barzinho do Zé. E assim o pão, o açúcar, a manteiga, o feijão etc. Como o próprio nome diz, a mercadoria mais procurada pelos homens era a cachaça. Não havia cerveja porque era algo muito caro para os moradores de Amarante. O Zé abria seu barzinho bem cedinho. Cachaceiros infestavam-no durante todo o dia. Zé só o fechava às 22h.
Maria das Dores, esposa do Zé, cuidava da casinha, que era ligada ao barzinho. O casal já havia produzido 8 filhos. E todos, solteiros, moravam com os pais. E Maria se encontrava novamente grávida. No sertão nordestino, o povo pobre leva a sério o mandamento de Deus: “crescei e multiplicai-vos”. E como eles multiplicam filhos! Ali, em Amarante, no silêncio da noite a população aumentava. Maria das Dores, ao meio-dia, no nono mês de gravidez, sentindo dores fortíssimas, procurou o marido no bar.
--- Zé, eu acho que tá na hora! disse ela.
--- Calma, Maria, que eu vou fechá o bar!
--- Tá bom, Zé! A mamãe já chegou pra ficá com os minino.
--- Então, vamo logo, muié!
Zé colocou “Das Dores” no seu humilde carro, e, juntos, foram para a maternidade de Floriano. Ali, “Das Dores”, com dores, deu à luz uma linda menina. Por problemas advindos do parto, ficaram ali por 7 dias. Nesse período, os cachaceiros de Amarante sofreram mais do que sovaco de aleijado porque não encontravam pinga para matar o terrível vício.
--- Esse Zé é um filho da puta. Tem que vender logo a porra desse bar! Diziam com raiva.
Dias depois, Zé, “Das Dores” e a criança chegam a Amarante. Todos queriam ver o bebezinho do Zé. Amarante estava alegre com a chegada de um novo ser.
--- Zé, qual vai sê o nome da minina? perguntou-lhe “Das Dores”.
--- Muié, eu já escolhi o nome. Ela vai se chamá Maria de Jesus!
--- Maria de Jesus, Zé?
--- É, muié, Maria de Jesus porque é o nome da mãe de Jesus Cristo!
--- Tá bom, Zé! disse “Das Dores”, abrindo um longo sorriso.
Transcorridos 19 anos, a vida da família do Zé continuava a mesma. O mesmo bar, a mesma casa, os mesmos filhos, só que já crescidos, e a mesma miséria.
Maria de Jesus, morena bonita, estava na flor de seus 19 anos. Zé, seu pai, arranjara-lhe um apelido: Bisuis. Bisuis tinha um ímpeto, uma fome sexual extrema. Namorava um peão de nome Francisco de Assis, um dos maiores cachaceiros da cidade.
Longe do conhecimento dos pais, Bisuis já havia mergulhado na vida sexual. Perdera a virgindade, a “pureza”, com o Anacleto, um cuidador de jumentos. Anacleto, louco para tirar o selo de virgindade de Bisuis, conquistou-a com malandragem.
--- Bisuis, meu amô, vamo fazê amô?
--- Anacleto, eu sou uma muié virge! Não posso!
--- Tem probrema não, Bisuis. Eu coloco só a cabecinha!
--- Tá bom, Anacleto! Mas olhe lá....Só a cabecinha, viu!
E Anacleto colocou tudo! Que safado! A inocente Bisuis não percebeu que aquela “cabecinha” não tinha ombro. E aí começaram suas aventuras sexuais. 10 dias depois de sua primeira relação sexual, Bisuis já estava num fervor sexual com o Guilherme, outro peão. Anacleto havia morrido dois dias depois de sua relação sexual com Bisuis. Morreu esmagado por um trem. Nem percebeu a iminência da morte, já que estava “morto” de bêbado. Foi justamente dormir sobre os trilhos. Não deu outra.
Guilherme, o novo companheiro sexual de Bisuis, não bebia. Zé e “Das Dores” estavam muito felizes com o namoro da filha. Eles ainda pensavam, claro, que a filha era ainda virgem. Naquela época, as meninas, oficialmente, só podiam perder a virgindade após o casamento. Oficialmente, claro! Guilherme, ciumento, discutia muito com Bisuis. Foi aí que apareceu outro peão, o Francisco de Assis. Bisuis se apaixonou por ele perdidamente. Francisco bebia muito. O salário, abaixo do mínimo, ia todo para pagar as cachaças. Zé, pai de Bisuis, é que se dava bem. Enquanto ele se dava bem vendendo cachaça ao Francisco, este se saía melhor entrando nas carnes de Bisuis.
Meses depois, a barriguinha de Bisuis começou a tomar volume. Parecia até com a performance abdominal do meu amigo Diorgenis. E agora? O que dizer ao seu pai e à sua mãe? Bisuis ficou nervosa e preocupada. Com enjoos diários, resolveu conversar com a mãe.
--- Mãe, quero dizê uma coisa a você! Sabe, mãe, eu acho que tô esperando um fio do Francisco! revelou com nervosismo.
--- O quê, minha fia! Você não é mais virge?
--- Não sou mais virge, mãe!
--- Pelo amô de Deus, Bisuis, fale baixo senão seu pai escuta. Já pensou se ele sabe disso!
--- E agora, mãe, o que será de eu?
--- Minha fia, você tem que casá urgente, se possive, logo amanhã. Esse rapaz, o Francisco, ele gosta de você? Será que ele qué se casá com você?
--- Ele me disse, mãe, que se eu ficá prenha, ele se casa comigo.
--- Então, minha fia, converse logo com ele. Voceis já se casa e seu pai não vai desconfiá de nada.
Bisuis correu ao encontro de Francisco. Acertaram os ponteiros. Na semana seguinte, casaram-se. Zé não desconfiou de nada.
O jovem casal foi morar num barraco alugado. Levado por problemas financeiros, Francisco passou a beber mais. E começaram as agressões físicas. Todas as noites, ao chegar bêbado, batia em Bisuis. Numa dessas agressões, ela veio a abortar. Revoltada, pegou suas roupas e foi para a casa de sua mãe. Não queria mais saber de Francisco.
Zé, seu pai, ao ouvir o lamento da filha, disse energicamente:
--- Você casô porque quis! Lugá de muié casada é na casa do marido. Pode voltá pra lá!
Desesperada, Bisuis foi embora. Sua mãe, “Das Dores”, se derramava em prantos, mas nada podia fazer. Bisuis procurou auxílio com uma amiga, Roberta. Disse à Bisuis que, no dia seguinte, estava de partida para Teresina. Caso ela quisesse ir junto, não havia problema. No dia seguinte, as duas jovens pegaram o ônibus com destino à capital do Piauí. Durante o trajeto, Roberta revelou a verdade.
--- Bisuis, eu tô indo pra uma casa de prostituição. Eu me cansei de Amarante. Uma colega minha me chamou, dizendo que tá ganhando muito dinheiro. Todo dia, ela recebe, no mínimo, 10 homi.
--- Eu também quero ir com você! Tem vaga pra mim?
--- Tem! A minha colega até me preguntou se eu conhecia alguma minina jovem e bonita. Pronto! É você!
O ônibus chegou a Teresina ao meio-dia. As duas jovens chegaram ao Cabaré Recanto da Chibata. Gleide, a amiga de Roberta, as recebeu com ar de felicidade. Arranjou um quarto grande para Roberta, e um menor para Bisuis.
O “Recanto da Chibata” era o melhor cabaré da capital, onde os ricaços iam trair sua esposa com as mais lindas e jovens prostitutas. Bisuis, com sua pele morena, atraia muitos homens. Descontadas as despesas com alimentação e aluguel do quarto, sobrava muito dinheiro que ia para a poupança. O sonho de Bisuis era retornar a Amarante, montando ali um cabaré. Para ela, pouco importava o que o seu pai e o padre Genaro iriam dizer. Queria montar um prostíbulo lá porque Amarante, como qualquer cidade digna de respeito, tinha que ter um cabaré.
Numa tarde chuvosa, coisa rara em Teresina, um fazendeiro muito rico chegou ao cabaré. Matilde, a proprietária, o atendeu com amabilidade.
--- Boa-tarde! Seja bem-vindo! disse ao visitante.
--- Boa-tarde! Eu sou o fazendeiro Beneditão. Eu quero uma puta que goste de apanhar porque eu gosto de bater.
--- O Senhor gosta de bater?
--- Isso mesmo! Eu gosto de trepar batendo na puta. Mas eu pago muito bem!
--- Quanto o Senhor paga?
--- Por uma trepada, eu pago dois mil reais?
---Dois mil reais????
--- Isso mesmo que a madame ouviu! Dois mil reais!
--- O Senhor aguarda um pouquinho, sentado naquela poltrona ali, que eu vou ver se alguma menina topa essa aventura, tá bom?
--- Tá bom, obrigado!
Matilde caminhou apressadamente em direção ao quarto de Bisuis. Bisuis estava sentada na cama, lendo um livro. Em Teresina, apesar de ser puta, conseguiu fazer o MOBRAL, o famoso Movimento Brasileiro de Alfabetização. Depois, enfrentou dois supletivos, chegando a concluir o 2º Grau.
--- Bisuis?
--- Oi, Matilde! Pode entrar!
--- Bisuis, tem um fazendeiro rico aí que quer fazer sexo com alguém que goste de apanhar.
--- Como é que é, Matilde? Ele gosta de bater?
--- Isso mesmo, Bisuis! Ele adora fazer sexo batendo na puta. Só que paga muito bem por isso.
--- E quanto ele paga?
--- Dois mil reais!
--- O quê!!! Dois mil reais? Por trepada?
--- Isso mesmo que você ouviu! Ele paga dois mil reais!
--- Matilde, vamos lá que eu quero conversar com ele. Eu quero saber qual o limite das pancadas, ou seja, até onde ele vai com isso.
Chegando à sala de visita, Bisuis avistou o Beneditão sentado confortavelmente no espaçoso sofá. Matilde deixou os dois a sós para que entrassem num acordo.
--- Boa-tarde, Senhor! disse-lhe Bisuis.
--- Boa-tarde, Menina!
--- A Matilde me disse que o Senhor quer uma puta que goste de apanhar, já que adora bater, é isso mesmo?
--- Sim. É isso mesmo.
--- Bem. Eu gostaria de saber até que ponto o Senhor bate!
--- Bem. Eu bato até quando a menina me devolver o dinheiro.
Bisuis, vermelha de raiva, gritou-lhe na cara;
--- Vai pra puta que te pariu, seu safado! Se quiser trepar de graça, vai comer o cu do Satanás!
E saiu correndo para seu quarto. Matilde aproveitou a ocasião para solicitar que o Beneditão fosse embora.
Nos cinco anos vividos no Recanto da Chibata, Bisuis colecionou histórias tristes e histórias engraçadas. Quando estava completando o 7º ano, resolveu realizar seu sonho. Voltar a Amarante e montar um cabaré. Despediu-se das colegas, e partiu.
Amarante, apesar do tempo, não mudou. Continuava do mesmo jeitinho. Só o nome havia mudado. Chamava-se agora Regeneração. Amarante se regenerou, Bisuis não. Seu pai, sua mãe e seus irmãos estavam no mesmo lugar, no mesmo bar. E com a mesma pobreza. Zé, seu pai, assim que viu a filha “rica”, com um carro bonito e bem vestida, disse à esposa:
--- Viu aí, muié! Eu trabaio feito um jumento durante toda a minha vida e nada tenho. Essa aí é puta e tá rica! Por que eu não nasci também com uma precheca?
Bisuis, no dia seguinte, comprou um lote bem espaçoso. Chamou os pedreiros, e mãos à obra. Um ano e meio depois, a construção havia terminado. Seis meses depois, a inauguração. Na frente, um lindo letreiro todo iluminado com os dizeres: Cabaré Sonho Encantado. As jovens eram oriundas de Goiânia, Rio de Janeiro e a quase totalidade de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Bisuis sabia que as mulheres mais bonitas do Brasil se encontravam lá.
O Sonho Encantado fez sucesso. Homens ricos de Teresina não se intimidavam diante dos 147 quilômetros que separavam as duas cidades. Quando o Sol procurava o seu repouso, o estacionamento do Sonho Encantado era ocupado por carrões de luxo. Os homens de Regeneração não podiam entrar no cabaré porque não tinham dinheiro. A única solução era se satisfazer sexualmente com a esposa ou recorrer à velha e gratuita masturbação.
Bisuis ficou mais rica ainda. Atualmente, mora em Regeneração, na casa mais bonita da região. Aposentou-se. Está com 65 anos de idade. Há 5 anos vendeu o cabaré, mas o novo proprietário não soube administrá-lo. Foi à falência. Hoje, no local, funciona a Igreja Universal do Reino de Deus. Até o Edir Macedo descobriu Regeneração.

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