No vídeo de ontem com o título “A Bíblia e a criação do Deus hebreu”, mostrei que o homem, desde as
eras patriarcais, criou deuses à sua imagem e semelhança. E mencionei uma
passagem em um dos livros de Carl
Sagan, que traz uma afirmação nesse sentido do filósofo grego do século VI
Xenófanes.
Hoje, neste vídeo, trago mais um
exemplo. A historiadora de religião Karen Armstrong, que durante sete anos foi
freira católica, rompendo seus votos em 1969, com vários livros publicados em
inúmeros países, em seu livro “Uma
história de Deus --- Quatro milênios de Busca do Judaísmo, Cristianismo e
Islamismo”, editora Companhia das Letras, 1994, na página 15, escreve o seguinte:
“(...) Tem havido muitas teorias sobre a origem da religião. Contudo,
parece que criar deuses é uma coisa que os seres humanos sempre fizeram.”
Isso mesmo! Criar deuses é realmente
uma coisa que os seres humanos sempre fizeram. O homem criou deuses à sua
imagem e semelhança. Os deuses criados ao longo da história do homem são cópias
de seus criadores. O homem da Idade da Pedra Lascada, os egípcios, os fenícios,
os maias, os astecas, os gregos, os hebreus etc., criaram seus deuses com
características diferenciadas, cada um trazendo elementos de sua comunidade. Como
o tema central deste vídeo é o Deus hebreu, da Bíblia, trago aqui mais uma
característica do ser humano que foi projetada no Deus criado: o
arrependimento. No vídeo anterior, mostrei que o Deus hebreu absorveu de seu
povo criador vários elementos: o ciúme, a vingança e a intolerância religiosa. E
essas características se espalham por toda a narrativa bíblica. E agora chegou
a vez do arrependimento.
O arrependimento é mais uma marca do
ser humano. Apenas o homem se arrepende de algo. Sendo uma característica
própria do ser humano, ao criar deuses, esses absorveriam também essa marca.
Daí o fato de o Deus hebreu ser também um deus que se arrepende do que faz. Assim,
logo no início da Bíblia, em Gênesis 6: 5- 7, está escrito:
“5 Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e
que era continuamente mau todo desígnio do seu coração;
6 Então, se arrependeu o Senhor de
ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração.
7 Disse o Senhor: Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis
e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito.”
Há vários erros aí nessa passagem
bíblica. O primeiro é o relativo ao órgão humano chamado coração. O povo antigo
pensava erroneamente que esse órgão era o responsável pela maldade, bondade,
discórdia, ódio, amor, solidariedade, mágoa, alegria, tristeza etc. E esse erro
está em toda a Bíblia, no Velho e no Novo Testamento. Hoje, sabemos que o
responsável de fato é o cérebro, e que o coração é apenas um músculo que recebe
e envia sangue para veias e artérias.
Outro erro reside na visão distorcida
de justiça, de punição. No mundo antigo, a punição passava da pessoa do
delinquente, do “pecador”. E aí, nesse relato lendário, temos um exemplo
clássico dessa injustiça. O Deus hebreu, por causa do comportamento do homem,
resolveu destruí-lo, só que colocou no mesmo barco os animais irracionais que
nada têm a ver com o que o homem faz. Papagaios, pássaros, cobras, jacarés,
galinhas etc., não têm culpa alguma no cartório em relação ao comportamento
humano.
Outro erro é que o relato lendário
sepulta a onisciência do Deus hebreu. Onisciência e arrependimento são como o
óleo na água: não se misturam. Quem é onisciente, ou seja, quem sabe o que vai
acontecer amanhã, não se arrepende porque a coisa já seria esperada. O
arrependimento só ocorre na limitação humana porque o homem não tem condições
de prever todas as consequências de sua ação. Quando o homem se arrepende de
algum ato praticado, significa que ele não esperava aquele resultado. Daí o
arrependimento!
E outra ingenuidade da passagem
bíblica acima é que o Deus hebreu, ao decidir varrer da face da Terra o homem e
os animais, voltou atrás. Olhou com atenção e viu o Noé, e aí mais uma vez deu
no que deu. E mais uma vez perdeu sua própria onisciência. Voltou atrás,
recuou, por causa de sua decisão precipitada. E aí surgiu a lenda do Dilúvio.
A Bíblia é um conjunto de livros
muito importante porque traz a visão de um povo antigo. Mostra-nos os
conflitos, a insegurança, os sofrimentos, as conquistas, enfim, nos dá um
quadro dos costumes de uma sociedade. Foi escrita para o seu tempo, com a visão
simples e distorcida de sua época. O problema é transformá-la em livro “sagrado”,
e, pior ainda, tê-la como referência de comportamento para os nossos dias.
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