sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
RIZOTO de PREPÚCIO ( 5 ) (RICHARD HOFFMAN)
Richard Hoffman
A Aliança Com Deus Através da Circuncisão
Quando queremos ir mais fundo nas estórias sobre destruição total de povos de forma bárbara e insana, as que estão na Bíblia são incomparáveis. E dentre tantos contos horripilantes e execráveis, a mulher tem sempre um "tratamento especial". Como se não bastasse a crença de ela ter sido gerada de um osso masculino e de que seu "ato transgressor" de comer do fruto proibido ter causado a origem de todos os males, vou lembrar um que tem a ver com o tema desse texto. Trata-se da história de Diná e Siquém. Vejamos:
Vindo de Aram, Jacó parou na cidade de Siquém, em Canaã. Ele comprou do príncipe Hamor um campo e fixou suas tendas, na periferia da área urbana. O capítulo 34 de Gênesis começa com Diná, filha de Jacó com Lia, saindo para conhecer a terra. Foi vista por Siquém, filho de Hamor, que tomado de uma súbita atração, a possuiu de forma violenta.
Depois do ato Siquém se apaixonou e pediu a seu pai que falasse com Jacó, pois Siquém queria desposar Diná. Ou seja, ele cometeu um erro gravíssimo, mas tudo poderia terminar muito bem, com paz e harmonia. Poderia, se não fosse por um detalhe: a história aqui é contada pelos antigos hebreus.
Quando os filhos de Jacó souberam do acontecido, se enfureceram contra Siquém por este ter violado sua irmã. Hamor e Siquém foram pedir a mão de Diná em casamento a Jacó. Propuseram receber a caravana de Jacó em suas terras, dando-lhes possessões; ofereceram suas filhas para serem esposas dos israelitas e aumentaram em muito o dote. Mas os irmãos de Diná armaram um plano sórdido. Disseram que não podiam dar sua irmã a um homem incircunciso e impuseram uma condição indecorosa para o casamento: que circuncidassem todos os machos da cidade. E disseram: "Se fizerem isso, daremos nossas filhas e tomaremos as filhas de vocês e seremos um só povo".
Apesar da dureza da condição imposta, o príncipe apaixonado ficou feliz, pois assim teria sua amada. Hamor e Siquém, de boa fé, convenceram os homens da cidade a cortarem seus prepúcios.
O verso 25 e 26 do capítulo 34 dizem: "Ao terceiro dia, quando os homens sentiam uma forte dor causada pela amputação coletiva, dois dos filhos de Jacó, Simeão e Levi, tomaram cada um sua espada, entraram inesperadamente na cidade e mataram os homens todos. Passaram também ao fio da espada a Hamor e a seu filho Siquém; tomaram Diná da casa de Siquém e saíram".
Poderíamos pensar que essa atitude era em função da indignação "pelo ato violento" de Siquém contra Diná. Mas os versos 27 e 28 contam que eles saquearam toda a cidade, ainda com o sangue dos varões escorrendo pelas ruas.
Levaram rebanhos, bois, jumentos e o que havia na cidade e no campo. Levaram cativos os meninos, as mulheres e tudo o que havia em suas casas.
Simeão e Levi enganaram Hamor e Siquém com o golpe da circuncisão, usando a desculpa da vingança da "honra da irmã". Com isso assassinaram covardemente os homens, saquearam a cidade e escravizaram as crianças e mulheres sobreviventes. Destruir e "matar todos a fio da espada", "sem piedade", "tudo o que respire", são imperativos tão habituais ordenados pelo próprio Javé e seus seguidores quanto um dos Dez Mandamentos na Bíblia.
O que fez Jacó, que agora é chamado de Israel? Ele apenas reclamou porque a atitude dos meninos, Simeão e Levi, poderia levar a uma união dos demais cananeus contra a sua Casa e ele temia ser destruído.
Repare que a intenção dos irmãos não era converter os homens ao judaísmo, não. Os irmãos ardilosamente usaram uma marca de seu "povo escolhido", um ritual sagrado, o símbolo máximo de um pacto, ordenado diretamente por El-Shaddai, com o único e exclusivo propósito de produzir vingança, sem piedade, de "forma exemplar", como só os primitivos sabem fazer. Para justificar a matança vale tudo, qualquer coisa. Já um gesto de amor e de perdão ou de misericórdia, eu ainda não consegui encontrar em toda a Bíblia, nenhum gesto sequer.
Aqui não se vê uma repreensão, nem de Jacó, nem de Javé, pela atitude covarde de dois assassinos frios e escravagistas, que mataram todos os os varões de uma cidade para pilhar seus bens. Jacó sequer mandou seus filhos devolverem o que roubaram aos vizinhos cananeus. O capítulo 34 termina com Simeão e Levi respondendo em tom arrogante: "Acaso se trata a nossa irmã como uma prostituta?" Como se a "desgraça" da pobre e imaculada irmãzinha não viesse a calhar, né?
E assim, com mais uma trapaça -- dessa vez uma pilhagem odiosa -- aumentou sobremaneira a riqueza de Israel. Quanto a Diná, coitada, era apenas uma mulher numa das mais patriarcais sociedades do segundo milênio A.E.C..
Diná foi a única dentre os filhos de Jacó que não foi cabeça de uma das tribos de Israel.
A Bíblia não diz se Diná casou, virou prostituta ou como ela morreu. Pelas tradições e costumes dessa época, se uma mulher fosse violada e não se casasse imediatamente, era repudiada pelo resto da vida. O príncipe Siquém queria desposá-la, mas foi assassinado impiedosamente por Simeão e Levi. Se o remorso e a paixão por Diná não fossem sinceros, Siquém jamais se sujeitaria, ele mesmo e o seu próprio povo, a tantas exigências. Siquém era príncipe. Há de se supor que, para tantas condições impostas, suas intenções eram sinceras.
O destino de Diná foi selado pela ganância dos seus irmãos salteadores. Só pra lembrar, o sacerdócio israelita se tornou depois, uma exclusividade dos descendentes de Levi.
Quanto à Diná, foi excluída da Bíblia após o episódio de sua violação.
Em Gn 35:23-26 há uma lista dos filhos de Jacó. Nela só estão nomeados os 12 filhos homens, Diná não aparece mais! Ela só volta a ser citada em Gn 46:15 no episódio em que Jacó e toda a sua semente estão descendo para o Egito, e ele nomeia seis filhos e 27 netos, num total de 33 almas. Diná é citada como filha de Lia, mas não entra na conta dos 33 que estão na comitiva de Jacó.
No capítulo 49 do Gênesis Jacó abençoa seus filhos um a um e Diná não é citada. Em Êxodo 1:1-4 aparece a lista dos filhos de Jacó que entraram com ele no Egito. Nela constam 11 homens, pois José já estava na terra dos faraós preparando a escravidão do seu próprio povo, e Diná não é citada. Em 1Crônicas 2:1-2 vê-se outra lista dos filhos de Jacó e Diná foi excluída.
Não encontramos nenhuma queixa, nenhum gesto ou depoimento negativo de Diná sobre o ocorrido, o que dá margem a seguinte especulação: sua culpa foi ter amado um homem incircunciso -- pecado sempre atribuído às mulheres na sociedade dos hebreus antigos. Os irmãos assassinos, o pai, Jacó (cheio de esposas, concubinas e trapaças) todos esses foram perdoados por Javé e são considerados heróis da história dos hebreus. E Diná? Ela foi excluída até das listas dos filhos de Jacó. Fica evidente que seu hímen serviu apenas de pretexto para um gesto covarde e violento de proporções bíblicas por membros daquela tribo errante, mas que é o único "povo escolhido", que até hoje adora recontar essas maravilhas em papiros e pergaminhos. É estranho ou no mínimo injusto que essa história seja contada sob a ótica e o escrutínio de dois irmãos carniceiros e seu pai trapaceiro.
Final do capítulo 5
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