sexta-feira, 2 de setembro de 2022

NA BÍBLIA, ANIMAIS IRRACIONAIS FALAM

                                      Leitor amigo,

Eis o vídeo da série. Domingo passado, 28 de agosto do fluente ano, Fábio de Oliveira Lima, em seu canal Ministério da Razão, fez a “live” Lindos exemplos de família da Bíblia 2, com duração de 1 hora e 30 minutos. Ouça, leitor, o que Fábio diz, no início do vídeo:


“Todo livro dito religioso, ele vai refletir a cultura da época em que foi escrito. Isso é fato!”


A partir daí, estou fazendo uma breve comparação do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, com a Bíblia. O livro de Machado é genuinamente brasileiro, nasceu aqui, no Brasil, no Rio de Janeiro de 1881, portanto, há 141 anos. Por outro lado, a Bíblia não é um conjunto de livros brasileiro. Veja agora, leitor amado, outro ponto comum entre as duas obras. 

Você, leitor, tem, no mínimo, noção de que existem, no mundo da literatura, figuras de linguagem. Com certeza, você já ouviu alguém pronunciar metáfora, pleonasmo, hipérbole, elipse, zeugma, metonímia, prosopopeia etc. Figuras de linguagem são um recurso utilizado pelos escritores para deixar o texto mais bonito. Veja um exemplo, leitor:








  1.  Chorei por você.

  2.  Chorei rios de lágrima por você. 


Qual, das duas orações acima, é a mais bela? Com certeza, a oração da letra “b”. A expressão rios de lágrima deixou a frase mais bonita, não é mesmo? Pois fique sabendo, leitor, que rios de lágrima é uma figura de linguagem chamada hipérbole, que quer dizer exagero. Ninguém chora RIOS de lágrima, isso é um exagero. Assim sendo, a hipérbole, o exagero, está nos romances e também na Bíblia. Para esse vídeo, vou trazer uma figura de linguagem que está presente no romance de Machado de Assis e também na Bíblia: a prosopopeia

Que diabo é isso, prosopopeia? Será que é uma irmã da centopeia? Não, leitor, não! Calma, leitor, calma! Muita calma nessa hora! A prosopopeia não é um animal, é uma figura de linguagem. Ela aparece num texto qualquer quando o autor deseja atribuir a seres sem vida ou a animais irracionais qualidades próprias do ser humano. Veja os exemplos, leitor querido:


  1.  Meu carro está feliz.

  2.  A cobra disse: “Você pisou sobre mim.”


Nas duas orações acima, existe a figura de linguagem chamada prosopopeia ou personificação. Em Meu carro está feliz, a prosopopeia está no adjetivo feliz. No fundo, não existe carro feliz. O carro é um ser sem vida, logo, não sente felicidade. O que eu fiz? Ora, para o texto ficar bonito, eu atribuí ao carro uma qualidade própria do ser humano: a felicidade. Entendeu, leitor? 



Na segunda oração, prosopopeia de novo. A cobra é um animal irracional, logo, ela não fala, nada diz. Mas, para o texto ficar bonito, transferi para ela uma qualidade própria do ser humano: a fala. Entendeu, leitor? Prosopopeia ou personificação é isso: o autor pega uma qualidade própria de um ser humano, aplicando-a num ser sem vida ou num animal irracional. Veja agora, leitor, a prosopopeia no romance de Machado de Assis e também na Bíblia.

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, na página 17, Brás Cubas, personagem criado por Machado de Assis, escreve: 


“(...) vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. (...) me atrevi a interrogá-lo. — Engana-se - replicou o animal - nós vamos à origem dos séculos. (...) mas o hipopótamo não me entendeu. (...) e, perguntando-lhe, visto que ele falava…” 

 

Nessa obra de ficção, Brás Cubas se encontra com um animal irracional, o hipopótamo. Começou a conversar com o animal. E o animal lhe disse: 


“-- Engana-se, nós vamos à origem dos séculos.”


Viu aí, leitor? A figura de linguagem prosopopeia? O autor, Machado de Assis, para o texto ficar mais bonito, atribuiu a um animal irracional uma qualidade própria do ser humano: a fala. Tudo isso é criação, invenção de Machado de Assis. Hipopótamo não fala, mas, nos textos de literatura, fala. E aí aparece a prosopopeia



Na Bíblia, ocorre a mesma coisa! É um conjunto de livros repleto de lendas, mitos, alegorias, prosopopeias, hipérboles, elipses, metonímias, pleonasmos etc. Os escritores bíblicos também eram criativos. Veja, leitor, um exemplo, em Gênesis, capítulo 3, versículos 1 e 2:


“Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer.”


Nessa lenda bíblica, criada por um escritor hebreu que não tinha o nome de Moisés, a serpente (cobra) conversa com a mulher Eva. Eis aí a figura de linguagem prosopopeia. O escritor bíblico, para o diálogo ficar mais bonito, atribuiu a um animal irracional uma qualidade própria do ser humano: a fala. Entendeu, leitor? No mundo da literatura, da fantasia, cobras falam, hipopótamos falam, leões falam, cachorros falam, gatos falam, jumentos falam etc. É a figura de linguagem chamada prosopopeia ou personificação

Novamente na Bíblia, em Números, capítulo 22, versículos 28 a 30, está escrito:


“Então, o Senhor fez falar a jumenta, a qual disse a Balaão: Que te fiz eu, que me espancaste já três vezes? Respondeu Balaão à jumenta: porque zombaste de mim; tivera eu uma espada na mão e, agora, te mataria. Replicou a jumenta a Balaão: porventura, não sou a tua jumenta, em que toda a vida cavalgaste até hoje? Acaso, tem sido o meu costume fazer assim contigo? Ele respondeu: Não.”


Viu aí, leitor, mais uma vez a figura de linguagem chamada prosopopeia. O escritor hebreu, que não tinha o nome de Moisés, criou um relato em que uma jumenta conversa com seu dono, o Balaão. Machado de Assis utilizou o mesmo recurso, em que o hipopótamo conversa com Brás Cubas. O escritor bíblico atribuiu a um animal irracional (jumenta) uma qualidade própria do homem (fala). No mundo da literatura, da ficção, da fantasia, claro, animais falam e raciocinam.

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